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Este texto é mil vezes mais pessoal do que meus peitos

 

 

Por Ana Carolina Tolentino e Danielly Santos

 

 

O ano de 2015 começou como nenhum outro. Em uma semana passei pela grade do show do Foo Fighters no Estádio do Morumbi, por Copacabana, Ipanema, Leblon, Arpoador... Janeiro no Rio de Janeiro, pré-carnaval, Fevereiro, e meu aniversário trazendo a descoberta de que a primeira ressaca dos 21 não é nada parecida com a última ressaca dos 20. A idade trás alguns limites ao corpo, mas no dia seguinte tudo ainda se estabiliza aos 21. Contudo, por melhor que ele parecesse, o ano não me enganava. E seja lá o que foi que me deixava com o pé atrás, estava certo.

 

Um pequeno episódio e Março pareceu durar três anos em coma; e aos poucos 2015 foi me degradando. A comida não tinha gosto, os filmes não tinham graça, minhas séries me irritavam, nenhuma música me agradava, estudar não era opção – não havia concentração ou paciência pra absolutamente nada – e a vontade de chorar era tão incontrolável quanto ascender um cigarro após apagar o outro. Eu nunca estive tão triste por uma continuidade de tempo tão grande. Todos notavam, assistiam, perguntavam o que estava acontecendo: eu não sabia.

 

Abril trouxe as crises do transtorno de ansiedade; o transporte público parecia pressurizar minha cabeça, o espetáculo dos meus desmaios na faculdade eram públicos e eu não podia contar com a minha própria companhia em casa – me jogar do décimo andar parecia tão fácil... Afastada temporariamente da Academia, fui enviada de volta à minha cidade natal no interior de São Paulo para passar o início de tratamento com a minha família. Antidepressivo, antipsicotico e ansiolítico eram a minha dieta diária.

 

Sonolenta e trêmula o dia todo, todos os dias, era difícil acreditar que superaria meu diagnóstico de apego extremo por aquilo que me fazia mal. Você pode se acostumar com certo tipo de dor, mas desenvolver início de um transtorno de obsessão por isto é doentio É como Ninfomania; com a diferença da busca de satisfação através do sexo pela busca de satisfação através da dor. Pesando dez quilos a menos em um mês, a primeira percepção que tive por fora da depressão era de que agora meu corpo se encaixava dentro dos padrões estéticos da sociedade, mas isto ainda não me agradava o suficiente; nada agradava.

Eu nunca estive tão triste por uma continuidade de tempo tão grande. Todos notavam, assistiam, perguntavam o que estava acontecendo: eu não sabia.

Please reload

Maio ainda foi doloroso, mas também foi quando começaram as descobertas que tanto me ajudaram a voltar ao eixo. Em meio ao início de transtorno do pânico, descobri que meu maior medo era ter de ficar, por alguma razão, no interior de São Paulo e não poder voltar a cursar jornalismo na capital; eu tinha que voltar. Descobri também que a família pode vir a ser a muleta da qual você mais precisa, quando você está pra morrer. Descobri uma razão gigantesca pra não me jogar do décimo andar: a gravidez inesperada da minha mãe, aos 43 anos. E, por fim, como uma adolescente outra vez, descobri um novo corpo: bem menor.

 

Ainda cambaleando, voltei à capital, ao jornalismo, à faculdade. E Junho trouxe a fase das coisas que tive que aceitar, afinal, depois de salvar a mim mesma, eu tinha um semestre pra salvar. Todos ainda notavam, olhavam, assistiam, perguntavam. Tive uma crise ou duas, mas resolvi aceitar; agora eu tinha uma resposta “EU ESTOU EM DEPRESSÃO” – com o tempo ficou bem simples dá-la. Mas por mais que todas as pessoas comentassem, tinha uma coisa da qual eu tinha consciência, porém muito difícil de conseguir enxergar: eu tinha dez quilos a menos, invisíveis aos meus olhos, apesar das roupas caírem.

Desprendida de qualquer controle externo sob o corpo como religião que nunca tive ou valores da sociedade para os quais ligava bem pouco – depois da depressão nem ligava mais – resolvi tirar as roupas na frente das câmeras; eu queria me ver por todos os ângulos, e constatar com os meus próprios olhos aquilo que todos estavam vendo, menos eu. E eu o fiz. E sinceramente, sobre isso, eu prefiro que vejam meus peitos a meus cortes nos pulsos. Prefiro que vejam minhas tatuagens a minhas fraquezas. Prefiro que vejam minha bunda a verem a minha dor novamente. Prefiro que vejam cada pedacinho de pele desnuda de meu corpo, pois a minha maior vergonha é que me vejam chorar.

Exibicionismo

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